Fármaco também ocasionou queda em risco de morte e redução na carga viral
Uma pesquisa feita principalmente no Brasil observou que um medicamento teve sucesso em reduzir pela metade os riscos de hospitalização em casos de Covid-19. Queda na carga viral e redução nos riscos de morte foram outros resultados positivos observados no estudo.
Publicado no New England Journal of Medicine, o artigo é assinado por pesquisadores do Brasil e Canadá, países onde a pesquisa ocorreu. O estudo investigou o interferon lambda peguilado, uma substância ainda sem autorização para uso comercial no Brasil.
Gilmar Reis, primeiro autor do artigo e professor adjunto da PUC-Minas, explica que os interferons, proteínas que atuam na defesa do organismo, são produzidos naturalmente para combater diferentes infecções.
Um desses tipos de interferon é o lambda, cuja ação é voltada em especial para a defesa de infecções nas vias aéreas e no tubo digestivo. Essas regiões coincidem com os alvos principais do Sars-CoV-2, vírus que causa a Covid-19.
Partículas do vírus Sars-Cov-2 isoladas de paciente em laboratório em Maryland, nos Estados Unidos – Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas/AFP
Então, é de se esperar que o interferon lambda tenha atuação central contra a doença viral. A realidade, no entanto, é outra. Reis explica que, por um mecanismo ainda desconhecido, o Sars-CoV-2 consegue desligar os genes de reprodução do interferon lambda, o que afeta a produção natural da substância.
Frente a essa situação, o organismo lança mão de outros mecanismos para combater o vírus. Nessas ações de resposta imunológica, pode ocorrer a tempestade de citocina, evento que acarreta um processo inflamatório generalizado do corpo humano muito associado a internações e mortalidade por Covid.
Por isso, uma quantidade correta do interferon lambda ainda no início da infecção pelo Sars-CoV-2 pode ser vantajosa para evitar a evolução para um cenário crítico da doença. Foi essa hipótese que os pesquisadores investigaram no estudo, voltando-se para o efeito da substância em formato injetável.
Para chegar ao seu objetivo, o estudo contou com dois grupos: 931 pacientes com acesso ao interferon lambda peguilado e outros 1.018 com uso do placebo. A partir de então, os cientistas mediram os desfechos principais dos participantes mediante a Covid-19: hospitalizações ou observação em uma emergência médica por no mínimo oito horas.
Paxlovid, da Pfizer, reduz mortes e internações de idosos com Covid
Estudo realizado em Israel concluiu que o paxlovid, o medicamento contra Covid-19 da Pfizer, reduziu hospitalizações e mortes de pacientes idosos durante a onda de ômicron no início deste ano Uma nova pesquisa, porém, revelou que o medicamento não fez diferença para pacientes com menos de 65 anos e com risco alto de adoecer gravemente A Pfizer fez os ensaios clínicos do medicamento durante a onda da variante delta no ano passado, abrangendo apenas pessoas não vacinadas
Foi visto que, entre aqueles que utilizaram a substância, o número de pacientes que enfrentaram algum desses dois desfechos foi 51% menor que nas pessoas com uso do placebo.
Reis chama a atenção para o fato de que a maior parte dos participantes já estava vacinada contra a Covid-19 no momento da pesquisa. Mesmo assim, uma pequena parcela deles não havia tomado a vacina e, nesses casos, a redução dos riscos de hospitalizações subiu para cerca de 80%.
Além dos desfechos principais, houve outras resoluções analisadas na pesquisa. Uma delas foi o risco de morte, tanto por causa diversa quanto por problemas respiratórios. De modo parecido, aqueles que tiveram acesso ao interferon lambda peguilado apresentaram uma queda nesses riscos próxima a vista para a hospitalização.
Reis explica que esse resultado é, em alguma medida, esperado: no momento em que se tem queda em internações, é natural também ocorrer uma contração nos índices de mortes.
Outro fator que o estudo observou foi a redução de cerca de 400 vezes na carga viral dos pacientes com acesso ao remédio. Essa não é a função principal da substância, já que ela não é um antiviral. No entanto, por ocasionar uma melhora na resposta imune, o fármaco acarreta igualmente um melhor desempenho do organismo no combate ao vírus.
QUANTO MAIS CEDO, MELHOR
A indicação para aplicar o remédio é de até sete dias após o início dos sintomas da Covid-19. No entanto, os pesquisadores fizeram também uma análise para os casos em que a pessoa tinha acesso ao medicamento em até três dias após o começo da suspeita pela infecção.
Com início na China, mundo completa três anos dos primeiros registros de casos da Covid
Voluntário entrega alimentos para pacientes curados da Covid-19 em Wuhan, em 10 de março de 2020. A cidade foi a primeira a registrar os casos da doença. Em 31 de dezembro de 2019, a China notificou casos estranhos de pneumonia. Uma semana depois, o novo coronavírus foi detectado Segurança vigia mercado em Wuhan. Segundo estudos, local foi o primeiro epicentro de infecções e, provavelmente, foi de onde o Sars-CoV-2, vírus que causa a Covid-19, passou de algum animal intermediário para humanos O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom, fala em coletiva de imprensa sobre a Covid-19. A organização decretou pandemia da doença em março de 2020
Como resultado, as vantagens associadas ao remédio foram ainda mais relevantes. Para Reis, o dado também reitera os impactos positivos da substância para a infecção viral. “Se estou dando uma medicação que é considerada a barreira inicial contra uma virose, então, em tese, quanto mais precoce eu dou a medicação, melhor para o paciente.”
Embora tenha tido resultados positivos, ainda não existe expectativa de uma possível aprovação da substância para uso no Brasil. Reis menciona que outros interferons peguilados até já são comercializados no país, mas, por não serem do tipo lambda, têm baixa eficácia contra a Covid-19.